Picotas, Rodas e Noras
Picotas,
Rodas e Noras
No tempo em que ainda não havia rede pública
de eletricidade em Oleiros, a elevação de água dos numerosos poços existentes
na vila e arredores, com vista à irrigação de hortas e quintais, fazia-se com
recurso à força muscular de animais e até do próprio homem.
A engenhoca milenar, conhecido em Oleiros
por picota (também designada por cegonha noutras terras), era a mais
simples e rudimentar técnica de elevação de água. Era constituída por uma longa
vara de pinheiro ou eucalipto, e tinha um eixo mais ou menos a meio do seu
comprimento, em torno do qual basculava, apoiando-se no topo de uma coluna de
pedra ou de madeira. Numa das pontas desta vara aplicava-se uma ou mais pedras,
suficientemente pesadas, para servirem de contrapeso ao equilibrar um balde cheio
de água dependurado da ponta de uma outra vara mais delgada suspensa da vara
principal, na extremidade oposta à das pedras. O balde era descido para ser
mergulhado na água do poço e, depois de cheio, era elevado com a ajuda do
contrapeso. A água era despejada manualmente para um tabuleiro de lata ou de
madeira, que a conduzia para o local desejado. Também podia ser despejada
diretamente para um rego. Ora, este sistema, não havendo depósito, exigia a
presença de um ajudante, que controlava a água na rega.
Outro sistema, menos utilizado, era a roda de água. Este método consistia numa
armação de prumos e travessas de madeira que sustentava duas rodas com o mesmo
eixo. Uma das rodas suportava uma cadeia de alcatruzes de lata, enquanto a
outra, de diâmetro ligeiramente superior, tinha em todo o seu perímetro uma
estreita aplicação de madeira sobre a qual marchavam os pés do manobrador, de
forma a transmitir movimento à roda. Este trabalho era feito muitas vezes com
os pés descalços. Durante o movimento da roda, os alcatruzes iam despejando a
água para uma cale de lata ou de madeira, tal como descrito para a picota. Para
proteger o manobrador de uma eventual queda e para se apoiar durante o
trabalho, existia uma outra estrutura de madeira. Também este sistema exigia a
presença de outra pessoa para conduzir a água para o local desejado.
A técnica mais usual, mas mais dispendiosa em
termos de instalação, era a nora,
também conhecida por engenho. Trata-se
de uma estrutura metálica com duas rodas: uma sustentava uma cadeia de
alcatruzes de lata e a outra, de menor diâmetro e perpendicular àquela,
transmitia o movimento à primeira. A roda mais pequena recebia o movimento horizontal
de uma haste metálica tubular que lhe era transmitido por um animal atrelado àquela
haste, o qual caminhava à volta do poço. Em geral era um burro que fazia este
trabalho, mas também podia ser uma mula ou um macho. Tal como no sistema
anterior, a água era despejada pelos alcatruzes para uma conduta de lata. Por
vezes o animal, já cansado, ou por "manha", parava na sua caminhada circular,
pelo que era necessário vergastá-lo de vez em quando. Um pormenor curioso é que
os olhos do animal eram vendados para que o bicho não ficasse “tonto” ou não se
distraísse com o que se passava à volta.
Havia em Oleiros, na Cova dos Pinheiros, um engenho que se destacava dos outros, pertencente
a Aníbal Alves. Era uma estrutura metálica semelhante à nora descrita anteriormente, mas este engenho dispunha de uma roda de grande
diâmetro e com um certo peso, colocada na vertical, que, ao ser acionada manualmente por meio de uma
manivela, exigia pouco esforço físico. Esta opção, de recurso à manivela, destinava-se a pequenas regas. Para regas mais prolongadas entrava em
funcionamento um motor a petróleo. Neste caso, aplicava-se uma correia de
transmissão de borracha, entre uma “poli” da roda grande e um pequeno tambor
rotativo do motor. Este engenho foi adquirido a uma metalomecânica de Santa
Comba Dão em 1951. Também este poço era diferente de todos os outros da região,
por estar revestido em toda a sua superfície vertical interior por tijolos
apropriados, fornecidos por uma cerâmica de Tomar. Este trabalho complementar foi
necessário porque as paredes grauváquicas (“piçarra mole”) eram muito frágeis e
desmoronavam-se com muita facilidade. Antes da aplicação dos tijolos por pedreiros
locais, foi necessário escorar o interior do poço para segurança dos
trabalhadores, tendo sido necessário contratar alguém com capacidade para este
trabalho. A perigosa tarefa foi executada pelo sr. Augusto Guerra cuja
habilitação lhe provinha do seu ofício de guarda-fios dos CTT. Este colaborador
usou o mesmo equipamento (cinturão de segurança, espias e outros apetrechos)
que usava na escalada aos postes telegráficos.
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Um rico lençol freático existente na zona de
Oleiros permite a formação de inúmeros aquíferos, e daí, a existência de muitos
poços de água na região. Há até autores que explicam o topónimo "Oleiros" como
proveniente da palavra antiga “olleiros” com o significado de “olhos de água”.
Naquela época, na Cova dos Pinheiros, bairro
entretanto largamente urbanizado e servido por várias ruas, agora com toponímia atribuída,
existiam 7 poços, pertencentes aos proprietários: Zé do Café”, com uma roda de água; “Ferradores”, com uma picota; Augusto “Sacristão”, Alfredo
“Buraca”, José Francisco, Aníbal Alves e Sebastião “Aldrabão”, todos com um engenho. Não consta que em algum destes poços tenha faltado água, mesmo em anos de seca. Mais tarde, dois destes poços, por
desnecessários, foram entulhados: o do “Zé do Café” e o do José Francisco.
Atualmente já não existe na zona nenhum destes
sistemas de elevação de água a funcionar. As picotas e as rodas de água
desapareceram por completo; os engenhos
mantêm-se no mesmo local quase na totalidade, talvez por uma questão de
saudosismo. Encontram-se no próprio local onde funcionavam, ou noutro sítio para onde foram levados como peças decorativas.
Os poços, na sua maioria, continuam a
fornecer água de qualidade, mas agora é elevada por meio de bombas elétricas.
Nem faria sentido que continuassem a funcionar com os mesmos processos de
outrora.
Excelente descrição , como aliás já nos habituaste.
ResponderEliminarObrigado Alcino