Equívoco Linguístico
Equívoco Linguístico
Teve lugar em Oleiros, no passado sábado, no
pavilhão Multiusos, um memorável concerto, em que participou a cantora Ana Laíns
com a sua banda e a tuna da Academia Sénior de Oleiros.
Durante o ensaio geral da véspera, a
maestrina da tuna, não se sabe a que propósito, informou a cantora que havia no
coro um elemento que falava Esperanto. Ora, a Ana Laíns, muito interessada nos
dialetos e em tudo o que se relaciona com a interioridade do país, e,
desconhecendo a existência do Esperanto como língua internacional, pensou que
se tratava de um dialeto da região de Oleiros. Entusiasmada com este facto,
pediu-me de imediato que anunciasse em Esperanto os títulos das peças que
iríamos apresentar ao público no dia seguinte, pedido a que eu acedi com algum
entusiasmo também, julgando que a cantora já teria contextualizado essa forma
de apresentação, sabendo eu, também, da sua defesa da portugalidade, recusando
inglesismos desnecessários, e sendo aquela língua planeada, de certo modo, um
garante da proteção das línguas nacionais.
Entretanto, no decorrer de uma agradável
troca de impressões com a cantora, expliquei-lhe o que realmente é o Esperanto
como projeto de língua internacional, apresentado ao mundo em 1887. A sua
implementação tem decorrido de forma lenta, devido sobretudo à ignorância das
forças políticas mundiais e, daí, a sua má vontade em alavancar a difusão
mundial da língua e consequente aplicação prática, já que só os políticos, com
os seus poderosos meios, o podem fazer. A UNESCO, através de resoluções
oficiais, já o recomendou por duas vezes aos seus Estados-membros, mas com
fraco resultado. Sendo o Esperanto uma língua neutral, com grande facilidade de
aprendizagem e com a necessária flexibilidade para exprimir todas as nuances do
pensamento humano (como está provado através da tradução das mais importantes
obras da literatura mundial para o idioma internacional) tem ótimas condições
para ser utilizado como língua de trabalho nas grandes instâncias
internacionais, facilitando o contacto entre os povos e reduzindo imenso os
gastos astronómicos com os serviços de interpretação e tradução. É ridículo
que, por exemplo, na União Europeia, haja 24 línguas oficiais, ditas em “pé de igualdade”, e, por isso, com a obrigatoriedade de se transcrever para todas essas
línguas uma grande parte dos documentos oficiais, o que significa que se tenham
de fazer traduções em 552 direções diferentes!
Tem-se difundido a ideia errada de que o
Esperanto foi um projeto que não vingou. Essa convicção confirmou-se através da
conversa que tive com alguns colegas coralistas, desconhecedores da real
implantação desta língua no mundo. Já participei em reuniões internacionais,
sendo a mais importante um congresso em Viena, cheio de vivacidade, que reuniu 3033
pessoas oriundas de 60 países dos quatro cantos do globo, onde, para além do
convívio salutar entre povos diferentes, se discutiram questões relacionadas
com a comunicação internacional, e se utilizou apenas o Esperanto durante os
sete dias em que decorreu o encontro. Também em Lisboa, em 2018, decorreu um
importante congresso com cerca de 1800 participantes de 74 países, mas que a
comunicação social ignorou quase por completo. É, pois, este desinteresse e
ausência de informação que leva as pessoas a terem uma noção errada do
funcionamento e real valor do Esperanto.
Depois de esclarecida, a cantora Ana Laíns
decidiu (e bem) não anunciar as peças musicais em Esperanto.
O concerto decorreu em ambiente muito
descontraído, onde a cantora deliciou os presentes com a sua voz bonita e bem
timbrada cantando peças do seu reportório. Parecia que ela já conhecia toda a
gente que a rodeava, mostrando um grande carinho pelos elementos do coro
sénior. Na parte final do espetáculo, com a participação deste coro e da banda
que habitualmente acompanha a cantora, foram interpretadas três peças
relacionadas com o 25 de Abril, por estar a decorrer o 50º aniversário da
Revolução dos Cravos, em que a Ana Laíns se sente bem integrada.
A portugalidade foi uma constante em todo o
reportório apresentado, já que a cantora é uma grande defensora da língua de
Camões, do mirandês e dos vários dialetos portugueses, como já foi salientado,
recusando-se a adotar a cultura dos outros em detrimento da nossa. Em concertos
dados noutros países (e não são poucos) ela leva a voz das nossas raízes pelo
mundo fora.
Os efeitos luminotécnicos estiveram a cargo
da Pirotecnia Oleirense, que honrou os seus pergaminhos pelo profissionalismo demonstrado.
Uma
nota desfavorável neste espetáculo foi a fraca participação dos oleirenses na
plateia. Não se percebe muito bem a ausência dos nossos conterrâneos nesta
manifestação cultural, tanto mais que o evento foi largamente anunciado na vila
através de cartazes colocados em locais públicos. A Ana Laíns merecia casa
cheia.
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