Ruínas com História
Ruínas
com História
Abundam por aí casas em ruínas, e até
lugares inteiros desabitados, em geral como resultado de fenómenos migratórios,
ou de famílias que não deixaram descendência direta e as suas casas ficaram
desertas. Também há casos de abandono de lugares devido aos incêndios
florestais que nos últimos anos têm fustigado a região de Oleiros. São lugares
com histórias de gente que por lá passou, e que vale a pena contar, por terem
deixado alguma marca na sociedade ou por permanecerem ainda na memória de
muitos oleirenses. São essas ruínas que vão ser objeto da narrativa que se
segue, apresentada aqui de uma forma simples, mas capaz de suscitar emoções.
Covões
É um lugar situado em plena serra da
Povoinha, nas proximidades das Feiteiras, de cujas casas restam apenas as
pedras basilares de duas habitações e vestígios de terras de cultivo. Por aqui
passaram os “Ferradores” ‒ o Manuel e o João – oriundos de Vila Nova de
Poiares, perseguidos pelo bando de João Brandão, embora esta figura popular
seja considerada um herói na vila de Tábua. Estes dois foragidos deram origem a
uma conhecida e numerosa família da vila de Oleiros.
Os terrenos deste arredado lugar foram
comprados pelo pai de Manuel Nunes, conhecido por “Ferro Velho”, do Porto da
Ribeira, por volta do ano de 1910. Aquando da passagem dos “Ferradores” pelos
Covões, já existiam casas e hortas, e uma pequena nascente de água, cujo caudal
foi aumentado mais tarde através de uma canalização montada pelo “Ferro Velho”,
a partir do Porto da Ribeira.
Neste lugar sobressai uma pedreira, da qual,
nos anos 60 do século passado, a empresa “Palmar”, de Porto de Mós, extraiu
pedra destinada à pavimentação da estrada de Álvaro. Entretanto este calçamento
foi reprovado pela entidade supervisora da obra, sendo a empresa obrigada a
aplicar quartzito da serra do Moradal. Na pedreira ainda está de pé a casota
onde se guardavam os explosivos utilizados na extração da pedra. Das hortas
quase não restam quaisquer vestígios, devido ao coberto vegetal constituído por
giestas, carquejas e tojos.
Lomba
do Carro
Fica próximo da estrada que liga a vila à
Panasqueira, perto das instalações fabris da Pirotecnia Oleirense. O fundador
destas oficinas, Simão Pedro Duarte, teve a sua primeira residência neste lugar,
em finais da década de 1940, vivendo ao lado, numa outra habitação, um seu
empregado, conhecido pelo nome de “Coxo”, por ter uma deficiência física num
dos pés. Mais abaixo encontrava-se a casa da família dos “Manjericos”. Estas
casas, transformadas em ruínas, estiveram muitos anos abandonadas, até que,
recentemente foram objeto de restauro por parte de um herdeiro daqueles
terrenos. A pouca distância destas casas ainda se encontram os escombros de um
antigo forno de telha e o embasamento de uma charca, que fornecia água a uma
pequena horta, provavelmente abandonada por ter secado a nascente que a
irrigava. No lugar dessa horta atualmente medram viçosos medronheiros.
Cova
da Moura
Existe no alto do Fernão Porco uma depressão
no relevo do Cabeço Rainho, a que popularmente se chama Cova da Moura. Deste
lugar contam-se muitas lendas, mas não deixa de ter interesse histórico, por
nele se terem encontrado moedas e artefactos de tempos muito antigos. A esse
lugar se refere com alguma minúcia o Bispo de Angra do Heroísmo, D. João Maria
Pereira de Amaral e Pimentel, no livro de sua autoria intitulado “Memórias da
Vila de Oleiros e do seu Concelho”, concluindo que os entulhos que por ali abundam
poderão ser vestígios de um posto militar avançado, de uma época anterior à
ocupação romana da Península Ibérica, suposição a que não se poderá negar
alguma verosimilhança. Curiosamente, no início da década de 1960 apresentou-se
na secretaria da Câmara Municipal de Oleiros um empresário desconhecido para
formalizar um pedido de licenciamento com vista a uma exploração mineira,
precisamente no sítio da Cova da Moura. Passado pouco tempo foram montadas
estruturas para a dita exploração, e fizeram-se algumas escavações com o
objetivo de encontrar ouro, mas, que se saiba, nunca foi encontrado o precioso
metal nem os minérios a ele associados, e os trabalhos de campo tiveram curta
duração. É de supor que aquele empresário nunca tenha feito qualquer prospeção
prévia no local, por processos verdadeiramente tecnológicas, e tenha sido
influenciado pelas histórias que se contavam sobre a passagem dos romanos pela
Cova da Moura, e pelos rumores que sempre correram acerca dos achados de
pepitas de ouro nas areias dos cursos de água procedentes da serra de Alvelos, nomeadamente
na Ribeira da Lontreira. Todavia, são rumores sem grande consistência.
Serra
A importância deste lugar advém do facto de
lá terem morado figuras de vulto na história da vila de Oleiros, de que se
destaca Manuel Farinha Relvas de Campos, avô do fundador do Hospital Barata
Relvas, de Oleiros, e que era também tio-avô do famoso republicano José Relvas,
radicado em Alpiarça, o qual proclamou a República da varanda dos Paços do
Concelho de Lisboa, a seguir ao “5 de Outubro” de 1910.
Manuel Farinha Relvas foi boticário, Capitão
de Ordenanças e Presidente da Câmara Municipal de Oleiros. A casa onde morava
destacava-se pela sua arquitetura rural de bom gosto, mas dela nada resta para
além de um montão de escombros, depois dos incêndios florestais de 2003. Eram
então seus proprietários os herdeiros da família Romão, que não se preocuparam
com a recuperação do imóvel, como o seu passado o exigia.
A degradação em que se encontra o edifício
que, ao longo de várias gerações, serviu de residência aos titulares da Casa Grande, a família Rebelo de
Albuquerque, merece aqui uma referência especial,
pela importância histórica que tem para a vila de Oleiros.
Trata-se de um imóvel com cerca de 75 metros
de comprimento, que ocupa quase toda a rua de S. João de Deus e que foi
retalhado pelos seus herdeiros na década de 1960.
A fachada é de linhas sóbrias, apresentando
ao centro um portão elevado, sobre o qual se pode ver ainda um nicho destinado
ao brasão de armas da família, mas que nunca ali foi colocado, talvez por
dificuldade na sua execução em pedra. Corre uma outra versão segundo a qual um
inimigo da família Rebelo de Albuquerque, o dr. José David Curado, residente na rua da
Misericórdia, um pouco mais abaixo, teria posto entraves jurídicos à colocação do brasão.
A ala do lado poente do edifício é mais
antiga que a ala do lado nascente, sendo a construção da primeira anterior ao
século XVIII, enquanto a outra, de arquitetura semelhante, remonta à segunda
metade do mesmo século. Na extremidade poente existia uma capela dedicada a
Nossa Senhora de Guadalupe, da qual restam apenas as paredes, por o seu recheio
ter sido vendido por um dos herdeiros da Casa Grande. Este oratório foi mandado
edificar no início do século XIX por devoção de Maria de Guadalupe Mesquita
Coutinho, mulher do 1º Visconde de Oleiros. Possuía um altar em talha dourada,
com várias colunas decoradas com videiras entrelaçadas, tendo ao centro a
imagem da referida Nossa Senhora de Guadalupe ladeada por duas imagens mais
pequenas, uma representando S. João Batista Menino e a outra o Menino Jesus
segurando o globo terrestre. O altar estava separado do resto da capela por uma
mesa de comunhão sobre a qual assentava um pequeno confessionário. O teto do
espaço reservado ao altar, em forma de abóbada semicircular, estava decorado
com desenhos artísticos pintados sobre oito caixotões. O teto do espaço
restante, de forma plana, também apresentava caixotões pintados com elementos
decorativos semelhantes. Fazia ainda parte do corpo da capela um coro gradeado,
suportado ao centro por uma coluna de secção circular simples.
É discutida a hipótese de o Padre António de
Andrade, supostamente o primeiro europeu a entrar no Tibete, ter nascido nestas
casas, sendo muito provável que aqui tenha residido. Uma das provas disso é o
facto de ter existido, pendurado num dos corredores, um quadro daquela ilustre
figura histórica, o qual mais tarde serviu de modelo para fazer a estátua que
atualmente se encontra em frente do edifício da Câmara Municipal de Oleiros.
Depois do processo de partilha da herança do
valioso espólio edificado, nenhum dos imóveis urbanos beneficiou de qualquer
ação de restauro digna desse nome. Antes pelo contrário. Por exemplo no átrio
de entrada, onde existia uma varanda coberta em quase toda a volta, rodeada por
graciosas colunas de granito esculpidas, foram cometidos enormes atentados
arquitetónicos, ao modificarem estruturas e acrescentarem mamarrachos
desnecessários, descaraterizando por completo toda aquela zona nobre da casa
senhorial. Por outro lado, existem troços do edifício já sem cobertura e em
completa ruína, alguns dos quais com inegável valor histórico, neste momento
sem qualquer perspetiva de reparação.
Todo este desastre se teria evitado se, na
devida altura, uma entidade competente, pública ou privada, tivesse defendido a
unidade arquitetónica daquelas casas, e se tivesse interessado pela recuperação
de tão importante património urbano, parte integrante da vila de Oleiros.
Pertencentes à Casa Grande existem também as
ruínas de dois currais de caprinos de assinalável dimensão, um no Casal e outro
na Torna. Uma vez mais, pelo seu valor histórico, estes dois imóveis deveriam
ter sido restaurados, mas agora a sua recuperação é praticamente impossível,
devido às alterações entretanto ocorridas nas suas estruturas, incluindo a
incorporação de uma habitação!
Casa
da Quinta do Canudo
Trata-se de uma das mais antigas casas de
habitação da vila de Oleiros, que foi propriedade da família do bispo de Angra
do Heroísmo, D. João Maria Pereira Barata de Amaral e Pimentel. Admite-se que
nesta mesma casa, dois séculos antes, tenha vivido também o famoso Padre
António de Andrade, primeiro europeu a entrar no Tibete. Os últimos moradores,
em meados do século XX, foram os filhos de Adrião Gonçalves, mais conhecidos
por “Canudos”. Por testamento de Mário Gonçalves, último proprietário da casa e
da quinta envolvente, a posse de todo este património passou para as mãos de
uma vizinha, situação que ainda hoje se mantem.
Verifica-se, entretanto, que desde a tomada
de posse daqueles imóveis por parte da atual dona, nada foi feito para
preservar todo aquele valioso património histórico, tendo-se perdido a cobertura
total da casa de habitação, com a consequente degradação do seu interior, de
que apenas restam as paredes e algum madeirame que se vai desfazendo por estar
sujeito à intempérie. Em semelhante ruína se encontra o que resta da
quinta, anteriormente destinada a atividades agrícolas.
Nesta resumida discorrência não será
displicente salientar o facto de existirem muitos sítios na periferia da vila
de Oleiros onde, num passado muito recente, fervilhava vida, e hoje são
lugares-fantasma, onde apenas as paredes das casas, umas ainda de pé, outras a
tender para a ruína, são o sinal de que ali morou gente
Eis os casos mais flagrantes:
Corgalta, Casal,
Coimbra, Cortejeira, Cucharro, Guardina, Monte de Cima, Povoinha, Ribeira do
Carujo, Ribeirão, Roberto, Serra, Vale Canelas, Vale da Sardinha, Vale do Gato.
O elevado número de lugares abandonados é
bem elucidativo do despovoamento rural que se tem verificado ultimamente na
região.
Parabéns pelo interessante e bem elaborado texto sobre alguns lugares do concelho de Oleiros, hoje abandonados, mas com muita história. Obrigado pela partilha do seu trabalho.
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