As Lojas de Comércio Misto
As
Lojas de Comércio Misto
Em meados do século XX funcionavam em
simultâneo na vila de Oleiros seis lojas de comércio misto. Eram
estabelecimentos comerciais, em geral de gestão familiar, mas também os havia
com empregados contratados, cujo número nunca ia além de um funcionário.
Nestas lojas vendia-se quase tudo o que os
habitantes da terra necessitavam no seu dia a dia: produtos alimentares, doçaria,
tecidos, roupa confecionada, calçado, artigos de drogaria e de papelaria, loiça e outros
utensílios domésticos, bijuterias, ferragens, vidros, e até materiais de
construção. O interior destas lojas estava repleto de produtos para venda distribuídos
por estantes que ocupavam todas as paredes e por todos os espaços disponíveis
no chão. Até no teto se pendurava toda a sorte de mercadoria, não havendo
qualquer critério na arrumação dos produtos. Assim, ao lado de uma bruxa de
barro pendurada num prego, podia ver-se um penico, uma panela, ou um par de
chinelos. Em cima do balcão não era de estranhar que um vendedor estivesse a
aviar uns metros de chita para uma blusa e ao lado outro vendedor estivesse a
medir um litro de azeite, ou de petróleo, ou a cortar um peixe de bacalhau.
Para medir o azeite ou o petróleo usavam-se bombas de trasfega acopladas ao balcão, que escondia os respetivos depósitos. O bacalhau era cortado numa guilhotina apropriada, a qual, quando acionada, fazia estremecer toda a estrutura do balcão. Para além destes três instrumentos de medição e corte, era fundamental a existência de um instrumento de pesagem: usava-se então a balança tradicional de mercearia. A balança mais comum era a conhecida por “rabo de bacalhau”, da marca “Avery” ou da marca “AP”. Para produtos mais pesados existia a balança decimal arrumada a um canto da loja. Os pesos utilizados nestes dois tipos de balança tinham de ser aferidos periodicamente num departamento da Câmara Municipal, chamado “Oficina de Aferição de Pesos e Medidas”.
Ainda não tinha chegado a era dos plásticos,
pelo que os produtos vendidos a retalho, nomeadamente os de mercearia, eram
embalados em papel pardo ou mesmo em papel de jornal. Para o açúcar, o arroz e
a massa alimentícia havia cartuchos previamente preparados, que o merceeiro
abria com muito desembaraço, colocava no prato da balança e ia enchendo até
atingir a quantidade pedida pelo cliente. Estes cartuchos serviam igualmente
para embalar pregos, gesso, soda cáustica, sulfato de cobre e outras drogas
semelhantes. Para o café e outros produtos leves usavam-se folhas de papel
pardo já cortadas aos quadrados, que, na altura da pesagem, eram enroladas em
forma de cone e cheias do produto pedido.
A marmelada armazenava-se em caixas de
madeira contendo cada uma 7 quilos daquele doce, de onde se cortava a porção
desejada pelo cliente.
As compras mais demoradas eram aquelas em
que o cliente escolhia os tecidos para confecionar peças de vestuário. O
vendedor desenrolava sobre o balcão várias peças de tecido, sugerindo
padrões e qualidades, esperando pacientemente que o cliente manifestasse a sua
preferência. Seguia-se então o ato de medir o pano com uma vara de madeira
correspondente a 1 metro de comprimento.
Nem todas a lojas tinham caixa registadora.
O dinheiro recebido pela venda das mercadorias era guardado numa gaveta do
balcão. Na venda de produtos de mercearia quando não havia troco, davam-se
rebuçados em substituição de moedas.
Na comercialização dos seus produtos todos estes comerciantes se debatiam com um grave problema: o “livro dos calotes”. Com efeito, uma boa parte da população vivia com dificuldades económicas, pelo que os comerciantes aceitavam a venda a crédito a essa gente, sujeitando-se muitas vezes a dívidas incobráveis.
A loja mais conhecida e talvez a mais
antiga, era a dos “Chaveiras”. Era assim chamada por ter sido criada no início
do século por um homem oriundo da Chaveira, lugar do concelho de Mação. Era conhecido
por “Patarras”, pai de algumas pessoas que, em Oleiros, adquiriram um estatuto
social de relevo: António Martins da
Silva, tesoureiro da Fazenda Pública, José Maria Martins, Provedor da Santa
Casa da Misericórdia de Oleiros, e Maria Augusta da Silva, proprietária de valiosos
bens, doados mais tarde por esta benemérita à Santa Casa da Misericórdia. A
loja do “Patarras” deu lugar à firma Martins & Lameiras, Ldª. Funcionava na
Rua de Baixo, agora Rua Padre António de Andrade, mesmo ao lado do posto da GNR
de então.
Na Praça da República (ou simplesmente Praça)
existiram, lado a lado, duas lojas de comércio misto: a loja do “Seladinha” e a
do “António da Loja”. A primeira era propriedade de Manuel Rodrigues David, que
se distinguia das demais por vender carburantes, na altura o único comerciante de
Oleiros a dedicar-se a este ramo. Tinha instalada à porta uma bomba de gasolina
para abastecer automóveis e motorizadas. A segunda loja era propriedade de
António Antunes Barata, dos Estorneiros de Baixo. O seu anterior proprietário
tinha sido António Gonçalves de Andrade, onde trabalhou a sua filha Maria da
Conceição Guimarães, mais conhecida em Oleiros por “Menina Maria”, mais tarde
casada com o empresário Júlio Vicente Marques da Silva, proprietário da
primeira serração de madeiras instalada em Oleiros. Por sua vez esta loja tinha
sido propriedade de um tal Valdez, familiar do comissário da PSP, Aníbal
Martins, conhecido em Oleiros por “Chefe Aníbal”.
Na Devesa (agora Praça do Município) encontrava-se a loja de Augusto Custódio Esteves. Num compartimento contíguo à loja funcionava uma taberna. De comércio tradicional, passou a estabelecimento de eletrodomésticos, ramo que se mantem ainda hoje em atividade.
Na rua de S. José situava-se a loja do
Francisco Salgueiro, atingida por um incêndio em 1949, que a destruiu
totalmente. Foi reconstruída a seguir àquele sinistro, e funcionou como
mercearia durante muitos anos. Tal como a loja do Augusto Custódio Esteves,
também esta tinha uma taberna ao lado. O proprietário tanto aviava os fregueses
na loja como na taberna, visto que havia uma passagem interior que permitia tal
expediente. As licenças de funcionamento, bem como os horários daí decorrentes eram
diferentes para os dois estabelecimentos, mas a proximidade e a facilidade de
acesso aos dois locais, por vezes permitia iludir a fiscalização, que, naquele
tempo era bastante apertada.
A última loja de comércio misto a ser criada
na vila, e curiosamente a última a fechar, foi a do sr. Agostinho. Tinha sido
fundada por Albano Antunes e sua mulher, Isilda Antunes em meados dos anos
cinquenta. Entretanto o seu último proprietário, António Lopes Agostinho,
natural de Cernache do Bonjardim, casou com a filha daquele casal e assumiu a
gerência da loja praticamente até à sua morte, ocorrida em 2014.
Como foi referido atrás, algumas destas lojas
tinham um empregado contratado: Os “Chaveiras”, o “Seladinha” e o “António da
Loja”. As restantes eram de gestão exclusivamente familiar.
Nos anos setenta todos os proprietários
destas lojas, com exceção do Francisco Salgueiro e do “Seladinha” juntaram-se
para fundar uma cooperativa comercial a que chamaram CONCOL. Curiosamente
nenhum dos sócios abandonou a sua loja e todas continuaram a funcionar em
paralelo com a cooperativa, apesar de estar estipulado que as lojas cessariam a
sua atividade após a criação da nova empresa. Devido à fraca propensão para o
cooperativismo por parte dos seus elementos, a CONCOL teve vida curta.
Entretanto, no local da cooperativa surgiu uma loja de chineses e noutros locais foram criados grandes espaços comerciais com o seu sistema de autosserviço, desaparecendo em definitivo o comércio tradicional, de que apenas restam as memórias, umas mais gloriosas que outras.
Que texto maravilhoso sobre memórias quotidianas da bela vila de Oleiros! Beijinhos! Johanino
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