Descaminhos

 

DESCAMINHOS 

    Um povo sem memória é um povo sem história. Um povo que não preserva o seu passado conservando documentos e monumentos não entra na História.

   Oleiros tem uma história quase milenar como o atesta um documento datado de 1194, relacionado com a Ordem de Malta, onde o seu nome é citado de forma inequívoca. Todavia, os testemunhos do passado, sejam eles objetos palpáveis ou documentos escritos, são muito escassos, porque nunca houve a preocupação de os conservar, ou se, em casos pontuais, existiu algum interesse, acabaram por se perder sem deixar rasto. Ainda hoje não existe essa preocupação, salvo raríssimas exceções. Aliadas a uma deplorável ignorância, tem havido ao longo dos tempos uma certa incúria e desinteresse pela preservação de documentos que possam refazer o passado e perceber o que tem sido o povo desta terra.

   Ao longo da história recente de Oleiros, são muitos os exemplos de desleixo e indiferença, por parte dos seus naturais. Alguns destes exemplos foram já referenciados neste blogue sob os títulos: “O Freixo”, “A Mata dos Chãos” e “Dendrofobia”. Mas há mais casos de negligência a acrescentar, que importa lembrar.

   Que é feito do espólio bibliográfico e documental da Casa Grande, da qual foram titulares os viscondes de Oleiros? No conturbado processo sucessório, protagonizado pelos seus herdeiros em 1962, tudo foi destruído ou esfrangalhado. Nem os magníficos edifícios foram preservados, encontrando-se quase todos em confrangedora ruína, ou desfigurados pelas barbaridades arquitetónicas a que foram sujeitos. Nem as paredes dos enormes currais de caprinos da Torna escaparam ao ignóbil retalhar da herança. O conjunto foi desmembrado em quatro quinhões!

   Que é feito da valiosa biblioteca do Padre Reis, fundador da Sociedade Filarmónica Oleirense? Sabe-se que muitos dos livros foram pedidos a título de empréstimo por vários figurões da terra, mas nunca foram devolvidos.

    De um jornal intitulado “Heraldo de Oleiros” foram publicados 97 números entre os anos de 1924 e 1927. Esta publicação refletia o modo de vida e o pensamento das gentes oleirenses daquela época. Que se saiba, não existe nenhum exemplar daquele periódico na sua forma original. Existem apenas fotocópias de todos os números editados, que em boa hora foram feitas por um particular nos anos 60 e se encontram na sua posse.

   De um pelourinho, que esteve na Praça da República, retirado em 22 de março de 1880, em resultado de uma estulta decisão camarária, restam apenas duas peças de granito, que se encontram depositadas nos armazéns do Município de Oleiros, à espera de uma reabilitação condigna desse monumento. A terceira peça (parte superior do fuste) está desaparecida. Provavelmente foi aproveitada para integrar uma qualquer parede de barracão ou divisória de quintal aquando das suas "deambulações" pela vila, depois da venda do pelourinho a um particular do Ribeiro das Hortas. 

   E que dizer dos inúmeros moinhos de cereais e lagares de azeite, que, por terem deixado de funcionar, caíram em completa ruína? Há um ou outro recuperado pelos seus proprietários para fins turísticos, mas a grande maioria está em total abandono. São construções antigas que se desagregam aos poucos por ação da inclemência do tempo e estão expostas à pilhagem de indivíduos sem escrúpulos. Em geral são as mós, que estão na mira desses energúmenos, que acabam por as surripiar. Ao longo da ribeira e dos ribeiros seus afluentes ainda se encontram muitos moinhos e lagares meio desmantelados, que podem ser valorizados através de uma simples limpeza, preservando assim a memória da actividade moageira de outrora. Outros desapareceram completamente. Até um moinho de vento na Portela, que nos anos 50 ainda ostentava uma bela cúpula cónica de zinco e um comprido mastro de madeira, hoje, dele nada resta.

   No campo da arte sacra também tem havido alguns desmandos. O mais flagrante e vergonhoso foi a venda, nos anos 60, do todo o recheio da capela de Nossa Senhora de Guadalupe, que fazia parte do edifício senhorial da Casa Grande e tinha sido mandada construir pela mulher do 1º visconde de Oleiros, D. Maria de Guadalupe. Diz-se que um astuto comprador de antiguidades aproveitou a ignorância dos herdeiros da capela, para os iludir e lhes pagar um valor irrisório pelas obras de arte ali contidas.

   No tocante a objetos malbaratados pertencentes à igreja, conta-se uma carreta funerária, que esteve guardada durante muitos anos ao fundo da igreja da Misericórdia e que o pároco da freguesia, nos anos 60, resolveu vender a um antiquário. Mais recentemente, foi a vez dos confessionários da igreja matriz desaparecerem, na sequência de profundas obras de restauro do edifício. Neste caso aqueles móveis foram levados pelo empreiteiro da obra para um estaleiro e lá ficaram ao abandono até se desfazerem, sem que alguém, conhecedor da situação, se tenha preocupado em recuperar tal mobiliário religioso, decerto com valor histórico.

   Está mal!...

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