A "Cerâmica" de Oleiros

 

A “CERÂMICA” DE OLEIROS

Os recursos naturais e a geologia de uma região determinam muitas vezes o aparecimento de uma atividade específica local.

Em Oleiros aqueles recursos não são uma riqueza por aí além. Também os xistos e grauvaques que caraterizam a geologia da região não prenunciam qualquer atividade digna de nota. Ainda assim, nos anos 50 do século passado, alguém se lembrou que os afloramentos de argila localizados à volta da vila poderiam ser a base de uma indústria de cerâmica.

Não há registos históricos de que alguma vez se tenha aproveitado aquela matéria prima para fins industriais, pese, embora, a etimologia do topónimo “Oleiros”, que alguns julgam assentar num ancestral fabrico de loiça de barro, mas sem bases históricas seguras. A teoria mais consensual é a de que aquele topónimo deriva do étimo “olleiros” com o significado de “olhos de água” numa clara alusão às abundantes nascentes de água existentes na região. Todavia, esta teoria carece de fundamento científico credível. É de referir, no entanto, que no final do século XIX, existiu no lugar do Porto d’Álvaro um forno rudimentar onde se coziam telhas de canudo, das quais ainda subsistem alguns exemplares com a gravação do ano, além de outras inscrições curiosas. Há também restos desse forno, com uma fornalha bem conservada.

História e etimologia à parte, o certo é que três oleirenses, em 1952, se lembraram de utilizar a argila dos afloramentos locais, relativamente abundante e acessível, embora de qualidade discutível, criando uma empresa para fabrico de artefactos de barro destinados à construção civil, nomeadamente tijolos, telhas e tijoleiras, a que deram o nome de CERÂMICA DE SANTA MARGARIDA, LDA. Foram seus criadores, Francisco Luís, José Francisco e Marcelino Alves Garcia. Então, cheios de entusiasmo, puseram mãos à obra.

O terreno onde iria ser construído o empreendimento, situado na Cova dos Pinheiros, foi comprado ao dr. Francisco Rebelo de Albuquerque, ao tempo titular da “Casa Grande”. Formalizada a escritura de constituição da sociedade, iniciaram-se as obras de construção civil, dirigidas por técnicos conhecedores daquela área fabril e que, de alguma forma, estavam ligados a cerâmicas em laboração na zona de Tomar. O complexo fabril consistia num forno subterrâneo, ligado a uma alta chaminé de alvenaria através de um túnel de 18 metros, uma rudimentar casa de máquinas, um estaleiro para operações manuais, um parque para matérias-primas e um espaço para armazenamento da produção fabril. A casa de máquinas estava equipada com um potente motor, adquirido em segunda mão, destinado ao funcionamento de um amassador mecânico, entre outras funções menos importantes.

Quase todo o processo de fabrico decorria em moldes artesanais com escasso recurso a maquinaria. Desde o manuseamento da matéria-prima (barro) até ao enfornamento e desenfornamento, passando pela moldagem das peças de cerâmica, tudo era feito à mão.

Produziam-se dois tipos de tijolo: tijolos de dois furos e tijolos em forma de bloco maciço (tijolo-burro). Os primeiros passavam por uma máquina semimanual para lhes introduzir os furos, já os segundos eram obtidos por um processo inteiramente manual, mediante a utilização de formas de madeira, que eram preenchidas com pasta argilosa. As telhas também eram obtidas de forma semelhante. Neste caso usavam-se umas armações de ferro de formato trapezoidal, dentro das quais se espalhava a massa de barro. Em seguida, as peças planas saídas das respetivas formas, eram transferidas, ainda moles, para cima de moldes de madeira de formato arredondado, sobre os quais se tinha espalhado previamente uma mistura de cinza e areia fina, que, no final da operação, ficava aderente à face interior das telhas. Estas telhas devido ao seu formato de secção semicircular eram conhecidas por “telhas de canudo”. Depois de moldadas, todas as peças passavam por um processo de secagem ao ar livre, antes de serem introduzidas no forno para cozer. Obviamente, tal método de produção era moroso e pouco rentável.

O forno, abrigado por um telheiro muito amplo, era a maior estrutura de todo o complexo fabril. Na parte superior, ao nível do solo, existiam várias aberturas, através das quais se metia a lenha destinada ao aquecimento do material cerâmico devidamente empilhado ao lado das aberturas. Depois de introduzido todo o material a cozer, a entrada da enorme fornalha era tapada com tijolos e argamassa de barro, iniciando-se então o processo de cozedura que se iria prolongar por cerca de 48 horas. Não há registo do número de fornadas nem da comercialização da produção fabril, mas sabe-se que esta foi escassa. Parte dessa produção foi utilizada na ampliação das próprias instalações fabris, como foi o caso da construção de alguns muros de suporte e de um tanque para água destinada às necessidades de manufatura dos produtos fabris. Algumas dessas construções ainda existem, mas o estado de degradação dos materiais utilizados indicia claramente a sua má qualidade. Entre as juntas de argamassa de cimento das paredes restam apenas montes de barro esfarelado.

A Cerâmica, como empresa fabril, teve curta duração, apontando-se como uma das causas da sua falência a má qualidade do barro, que, provavelmente, nunca foi objeto de qualquer análise laboratorial, etapa indispensável ao bom funcionamento de uma empresa deste tipo. A argila era recolhida num dos vários barreiros locais, em especial no que se situava no Casal, hoje completamente desaparecido devido à construção de uma larga rodovia naquele local, onde se sobrepõem as estradas EN 238 e EN 351 e agora existe um posto de abastecimento de combustíveis.  A fraca preparação técnica e empresarial dos seus gestores também terá contribuído decisivamente para o fim do empreendimento.

Mais tarde, no início dos anos 60, o amplo espaço do forno foi utilizado para a produção de cogumelos em substrato, visto que reunia boas condições para a cultura micológica. Foi uma atividade industrial temporária, em escala diminuta, dirigida pelo seu mentor e proprietário, José Augusto dos Santos Fernandes.

Hoje, todo o recinto da antiga fábrica, com as suas estruturas degradadas, não passa de uma vasta área de apoio a diversas atividades agrícolas de cariz familiar.

Sobressai uma majestosa e bem conservada chaminé, à espera de uma utilização condigna que preserve a memória de um belo projeto inacabado, arquitetado por três oleirenses sonhadores.

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