A Ribeira de Oleiros
A
Ribeira de Oleiros
A ribeira que banha a vila de Oleiros e lhe
dá vida, recebe três nomes diferentes ao longo do seu percurso. É “Ribeira de
Perobeques” no Estreito, onde nasce, “Ribeira de Oleiros” ao passar pela vila e
“Ribeira da Sertã” quando desagua no rio Zêzere. Não é caso único, pois ocorrem
situações semelhantes em Portugal com outros cursos de água.
Curioso é o topónimo da nascente, cuja
etimologia tem origem em “Pedro Vasques” nome de um ancestral proprietário do
terreno onde começa a ribeira e que veio a dar o termo bizarro de “Perobeques”,
corruptela do seu nome inicial. Mais bizarro ainda é o topónimo que figura na
carta militar nº 266, de 1946 (ainda em uso), o qual é grafado como “Ribeira de
Perbex”, para designar o curso de água em questão, em que a letra “x” deverá
ser pronunciada [ks] (à semelhança do “x” da palavra índex). Facilmente se deduz que o cartógrafo militar de serviço, ao
indagar o nome daquele riacho, junto da população local, pouco letrada, terá
entendido aquela pronúncia e assim registou o vocábulo.
A ribeira, em geral, corre por vales pouco
profundos formando graciosos meandros, desde a nascente na freguesia do
Estreito, até à foz na antiga freguesia de Palhais, no concelho da Sertã. O
desnível pouco acentuado permite que o seu caudal se apresente tranquilo em
quase todo o seu percurso. De onde em onde, aquela tranquilidade é quebrada ao
galgar açudes construídos pelo homem com fins utilitários. Na sua maioria,
estas construções serviram para irrigar terras de cultivo e acionar moinhos de
cereais. Na proximidade da vila podem ver-se ainda alguns deles em bom estado
de conservação.
Partindo de montante para jusante, encontramos pequenos açudes na zona do Milrico, o Açude dos Estorneiros e logo a seguir o Açude Pinto, hoje transformado em praia fluvial. Este foi, num passado recente, de grande importância para a irrigação de extensos milheirais da “Casa Grande” e de grande número de pequenas hortas que se estendiam ao longo da levada, a qual tinha início no Açude Pinto e terminava na Fonte das Freiras. No seu término alimentava ainda dois moinhos. Vem depois o Açude da Lameira, que se destinava principalmente a acionar dois moinhos e a irrigar algumas hortas. Segue-se o açude da Salina e o da Tojeira. Este último está associado a um moinho ainda em funcionamento, mas apenas com fins turísticos. São também dignos de menção pela sua rusticidade e beleza, o açude da Tapadona e o do Gozendo, mas nenhum deles tem atualmente qualquer função utilitária.
Estas represas de água, como forma de
irrigar terras de cultivo, perderam a sua importância ao surgirem as primeiras
bombas hidráulicas acopladas a motores de explosão, mais tarde substituídas por
eletrobombas, sistema que ainda hoje se mantem a funcionar.
Mas a ribeira teve outros aproveitamentos.
Num tempo em que ainda não havia abastecimento de água ao domicílio, nem
lavadouros públicos, ao contrário do que já se verificava noutros lugares da
região, a maioria da população aproveitava a água límpida da ribeira para lavar
roupa. Só um pequeno número de casas abastadas dispunha de água canalizada,
trazida de nascentes das serras envolventes e, por isso, os seus moradores não
precisavam de ir à ribeira para essa necessidade básica de higiene doméstica.
Eram escolhidos para lavar roupa os locais
de mais fácil acesso à água e que tivessem por perto uma cascalheira. As
cascalheiras, formadas de areia e pedras roladas limpas, serviam, de modo
perfeito, para estender as peças de roupa, tanto na fase de “corar” como na
etapa de secagem final.
A Ponte Grande era o lugar mais procurado, mas havia também a Nogueira, um pouco mais acima, e logo a seguir, uma extensa cascalheira, em frente dos Chãos da Ponte, onde não faltava uma nascente de água fresca, sempre apetecível em dias de calmaria. A existência de bons relvados nas proximidades era também um bom motivo para a escolha deste local. Destacava-se neste sítio um imponente freixo, recentemente abatido pelos seus proprietários.
Às segundas-feiras, logo pela manhã,
chegavam empregadas domésticas e donas de casa com enormes trouxas de roupa à
cabeça. Depois de escolhida a melhor pedra, entravam na água de pés descalços
ou de galochas se as temperaturas eram mais agrestes. Ali passavam o dia na
árdua tarefa de desencardir roupa ou passar por água as peças mais leves. A
meio da jornada alguém lhes trazia o almoço, pois só lá para o fim da tarde,
depois de recolher a roupa já seca, se dava por terminado aquele labor. Durante
tal lida ainda havia tempo para dar e receber novidades, onde nunca faltava
alguma coscuvilhice.
Nas vésperas da festa de Santa Margarida
também era hábito levar para a ribeira os utensílios de cozinha mais encardidos
para os sujeitar a uma profunda barrela. Eram então bem areados, como se dizia,
para os apresentar airosos nos dias dos festejos.
Embora a ribeira ainda hoje ofereça
excelentes condições para práticas desportivas e a utilização de barcos de
recreio, tais possibilidades nunca foram suficientemente exploradas em Oleiros.
Refira-se, no entanto, a existência de um barco a remos, propriedade de Horácio
Guerra e de Aníbal Alves, nos anos 40 do século passado, o qual era alugado
para passear na larga peguia que se formava a montante da Ponte Grande. Esta
zona da ribeira também era a mais procurada para nadar por ter alguns poços que
permitiam fazer mergulhos em segurança.
A pesca desportiva na ribeira teve sempre os seus adeptos, apesar de sujeita a regras mais ou menos apertadas impostas pela Direção-Geral dos Serviços Hidráulicos de então. Tal atividade era controlada por guarda-rios, mas estes nem sempre conseguiam impedir alguma pesca clandestina. Usavam-se para o efeito armações de verga, chamadas “pachecas” e outros sistemas engenhosos pouco convencionais. Alguns indivíduos sem escrúpulos, a coberto da noite, utilizavam métodos criminosos para apanhar peixe, com recurso a substâncias venenosas e petardos obtidos na oficina de pirotecnia local. Felizmente tais práticas, atualmente, podem considerar-se inexistentes na zona de Oleiros.
As margens da ribeira, de fácil acesso, bem
arborizadas e com aprazíveis “lenteiros”, sempre foram um convite ao lazer, ao
descanso e à realização de piqueniques. Estes eram frequentes sobretudo por
altura das festas de verão, com a participação de oleirenses radicados em
Lisboa.
No que concerne à vertente arborícola
espontânea, predominam os amieiros e os salgueiros. No entanto, merece especial
destaque um majestoso tulipeiro existente um pouco abaixo da Ponte Grande, na
Fonte dos Braços, que muita gente confunde com um choupo, mas que é, na
realidade, uma espécie pertencente à família das magnólias, produzindo no verão
vistosas flores brancas. Trata-se de uma árvore plantada nos tempos áureos da
Casa Grande.
Ultimamente tem-se procurado valorizar todo este espaço natural, criando condições para a realização de percursos pedestres devidamente sinalizados. Assim, foi criado um percurso de 2,5 km, que vai da Ponte Grande ao Açude Pinto – “À descoberta da ribeira” – com 11 painéis temáticos. Em sentido oposto desenvolve-se um outro percurso – o “Trilho do Cabrito” – integrado na “PR 5 – OLR”. Esta “Pequena Rota”, circular, inclui alguns pontos de interesse da vila e tem a distância total de 7,7 km. Recentemente foi implementado um terceiro percurso de 11,5 km, também circular, designado por “PR9 – OLR”, cognominado “Trilhos do Callum”, com ponto de partida e de chegada na Praia Fluvial do Açude Pinto. São percursos muito aprazíveis, que se recomendam a qualquer visitante da vila.
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Foto de Carla Salgueiro |
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